O terceiro dia de Dinamarca começou debaixo de muita água! Chuva e um frio que não condiz com a imagem que um brasileiro faz do verão. Mas eu não queria nem saber. Sara tinha saído cedo para trabalhar. Resolvi pegar a bike (toda molhada rs) e sair pedalando por aí, para conhecer um pouco mais.
O problema de pedalar no frio é que ao fazê-lo você bate de frente com um vento que parece te dar trocentas pontadas no peito. Independente de estar usando um casaco (e eu estava usando um que acreditava ser impermeável, mas que se mostrou uma esponja), o ar gelado penetra e te atinge em cheio.
Fui pela avenida Hans Christian Andersen e virei numa rua que não lembro o nome (olhei no Google maps e nada me pareceu familiar rs). Era uma região bem central de Copenhagen, mas estava super tranquilo. Sexta-feira, chuvinha, poucos carros trafegando... Nada parecido com o Rio ou SP, cidades que, debaixo de chuva proporcionam o caos no trânsito.
Estava indo a esmo, só olhando ao redor. Passei por um café chamado Munich, e decidi parar (tinha a ver também com o fato da chuva ter apertado um pouco). O local era bem legal, tinha uma decoração baseada em tons bem escuros, o que dava um clima de penumbra mesmo durante o dia (e criava uma atmosfera propensa à discrição – imagino que seja “o” lugar de dar “perdidos” ou “balões” ou simplesmente “infidelidades” de lá rs).
Quando entrei peguei um cardápio. Ainda não tinha comido nada, achei que fosse bom pra tomar um café da manhã. Obviamente, estava tudo em dinamarquês. Fui pedir ajuda a uma garçonete para me explicar o que estava escrito (vi pelo tom de sua pele que ela também não era de origem dinamarquesa). Ela então me questionou o que seria uma das melhores perguntas de toda a minha viagem: “você tem dificuldade para ler dinamarquês?” SIM! EU E 95% DO PLANETA! Quem lê dinamarquês, a não ser os dinamarqueses? (e, com muita boa vontade, os suecos e noruegueses) rs Ela me explicou item por item do menu, e eu resolvi pedir um chai latte (gosto muito, e o deles vinha com um pouco de chocolate) e um croissant com recheio de queijo Emmental (também conhecido como “suíço”). Estava tudo muito bom, exceto pelo preço. A Dinamarca é um dos países mais caros que eu estive. Os preços superam facilmente a Inglaterra (Espanha e Portugal nem vou comentar – são bem mais baratos).
Depois do café, voltei para o aguaceiro da rua – até que neste momento a chuva tinha dado uma brecha – e continuei pedalando em linha reta, observando os prédios geralmente com baixa altura e com um aspecto muito típico. Outra das minhas atribuições era passar num mercado para comprar morangos. No primeiro dia, eu comi alguns morangos com Sara e Giulia e eles eram inacreditáveis. Muito diferentes dos que temos no Brasil, tanto em tamanho quanto em textura e sabor. Começou a chover forte de novo e eu decidi acelerar esse processo. Parei no primeiro mercado que vi, mas não achei os morangos lá essas coisas. Daí decidi dar uma andada pelo mercado, e eis que eu vejo uma carne embalada a vácuo, com um nome estranhíssimo em dinamarquês. Olhei o corte, o formato, e pensei: eu conheço isso. É picanha! E era mesmo. Só que com uma capa de gordura bem fininha (isso é típico na Europa, eles não vendem carne “gorda”). Comprei a carne, um pacote de sal grosso - que lá também é diferente, mas que no fim deu certo - e voltei para a casa. Chovia bastante nesse momento.
Pouco tempo depois de chegar, Sara também apareceu voltando do trabalho. Ela fazia o percurso todos os dias de bicicleta, independente das condições climáticas. Chamei-a para ir à cozinha e apontei para a pia, perguntando se ela sabia do que se tratava. Ela disse que era uma carne. E eu falei: É picanha! Lembra? Os olhos dela brilharam!rs Combinamos de fazer o almoço um pouco mais tarde, por volta de 18hs, pois ela tinha que resolver outras coisas. Nesse momento o tempo mudou completamente e chegou até a sair um certo sol! Eu então decidi voltar à rua para aproveitar um pouco mais do dia. Fui pedalando até a estação de trem, que ficava a uma quadra do Tivoli Park. Dei uma volta, olhei a maior quantidade de bicicletas estacionadas que eu já vi na vida (devia ter cerca de 500, lado a lado) e comi o cachorro quente típico de lá. Não achei nada de mais, diga-se. No caminho passei pelo cinema mais antigo da cidade, que hoje possui a fachada pintada de diversas cores, o que dava um aspecto totalmente lúdico.
Na volta comecei a preparar a picanha. Era uma peça pequena, cerca de 900 gramas. Sara fez arroz e eu complementei com uma farofa de ovos (ela tinha um pacote que uma amiga brasileira tinha lhe dado). Fiz a Picanha de Forno, porque na brasa era impossível. Quando ela começou a comer, poucas vezes vi uma expressão tão grande de felicidade em seu rosto. Acho que era um misto de satisfação pelo sabor da comida e também por matar a saudade de algo típico do Brasil. Depois que voltou do Rio de Janeiro para a Dinamarca, Sara passou um ano em Moçambique antes de assentar de vez em Copenhagen. Ela sentia falta dessa pluralidade de sabores que tinha experimentado. Para vocês terem uma ideia, não sobrou nada da picanha! E eu acho que não cheguei a comer nem a metade.rs
Depois do almoço/jantar, descansamos pois à noite haveria um show do Patchanka!, uma banda dinamarquesa que estava começando a fazer sucesso por lá (abriram um show do Manu Chao em Copenhagen). Não faço a menor ideia da região da cidade onde estava ocorrendo o show. Fomos de bicicleta, e paramos num galpão. Quando entramos estava bem vazio – tínhamos chegado cedo. Era um galpão bem simples (parecia com algumas casas da Lapa). Quando o show começou já estava bem cheio. O som dos caras era um misto de ska com música cigana (leste europeu talvez). Era bom, mas um pouco repetitivo. Mas isso dito por um cara que não é fã de ska. O resto das pessoas parecia estar curtindo bastante.
Rolou um episódio curioso no show: Estávamos eu, Sara e Emannuela. A Giulia tentou nos encontrar, mas não conseguiu entrar pois estava lotado. Quando Sara me disse isso – Giulia havia ligado pra ela – eu fiquei espantado. Estava longe de estar cheio. Tinha bastante gente sim, mas como todos se aproximaram do palco, havia pouco menos da metade liberado. Sara me explicou que depois do festival de Roskilde, quando 9 pessoas morreram esmagadas durante show do Pearl Jam, a fiscalização e cuidado com a quantidade de pessoas em eventos ficou extremamente rigorosa.
Ao final, partimos então para encontrar a Giulia, que estava numa festa argentina (!) num local muito underground. Tipo, muito underground! O clima era bem estranho, eu não curti. Ficamos por cerca de 15 minutos e fomos embora. Nesse dia eu senti uma coisa não muito legal, uma espécie de racismo às avessas (não foi intencional, obviamente – apenas uma sensação). No show do Patchanka! já tinha sentido isso. Me dei conta que estava num local com predominância de pessoas loiras. Pele e cabelo muito claros, e todos bastante altos. Tenho certeza que a maioria das pessoas são boas, até mesmo pró-causas sociais e de integração (eu mesmo conheci algumas lá), mas ao olhar todo aquele cenário remeti imediatamente ao nazismo, principalmente quando via caras muito fortes com cabelo bem curto. Provavelmente por influência de tantos filmes/documentários que acabaram criando uma sensação vinculada àquela imagem. Foi uma grande forma de perceber que esses sentimentos tem que ser erradicados, que ninguém está imune a eles e que a simples convivência faz você perceber que somos basicamente iguais. Essa sensação passou rápido, ainda bem.
Saindo do umbral dinamarquês (rs) demos uma volta pela cidade, paramos pra comer algo numa lanchonete que todos elogiaram mas que não achei nada demais. Dai voltamos pra casa... era por volta de duas da manhã. O dia seguinte tinha algumas programações interessantes!
Na foto: o estacionamento de bicicletas da estação ferroviária.
